Deixo-me ir numa viagem tão só quanto aquilo que sou, carregando tudo aquilo que amo. Talvez seja loucura… mas sinto que preciso ir.
Tenho medo, mas esse medo só me faz seguir em frente.
Todos os passos que damos, sozinhos, sempre são mais penosos. Acompanhados, tudo fica mais fácil. Mas nada que vale realmente a pena é fácil, por isso preciso fazer isto assim, sozinho.
Queria ir lá atrás e recordar. Recordar o momento em que me aprisionaste a alma, o ser. O momento em que me aprisionaste com o teu sorriso, com a tua teimosia, com a tua fragilidade. Queria ir lá atrás e recordar aquele dia. Aquele preciso dia. Aquele dia em que me aprisionaste, não com amarras, não com gestos, não com o teu corpo, mas com as palavras que dissemos sem saber. Aquelas palavras que dissemos quando nos olhámos incessantemente. Queria ir lá atrás e recordar o teu olhar. Recordar o brilho do teu olhar quando te disse "gosto de ti", sentir o teu coração a querer sair-te do peito enquanto te apertava contra mim. Queria recordar as palavras que não sairam por medo, por sentir que não era preciso de serem ditas quando o próprio coração as gritava.
E ainda assim, hoje, sinto que há tanto por dizer. Sinto que há tanto para viver.
Jurei a mim mesmo nunca mais querer viver isto, mesmo assim vivi, por ti... Sinto que sou personagem de um filme que já vi, que já vivi. Personagem de um filme mudo, um filme triste que teima em não acabar, um filme a preto e branco, necessitado das cores para pintar o meu eu. Jurei a mim mesmo que as lágrimas não tornariam a cair por decepção, não caíriam novamente porque já tinha aprendido o suficiente. Adivinha? Teimam em cair... Sabes porquê? Porque não me foi permitido viver, não me foi permitido aprender o suficiente. Porque não te conheci, nem tu me conheceste. Porque eu e tu não passaremos de isso mesmo, eu e tu.
Hoje não me apetece sorrir. Apetecia-me um daqueles abraços apertados que me fizesse chorar. E que as minhas lágrimas conseguissem limpar todas as minhas mágoas, todos os meus medos e incertezas. Talvez assim. Talvez assim conseguisse sorrir. Mas hoje não. Hoje apetece-me ficar só. Talvez esta noite não chegue o medo, nem tenha de chorar baixinho. E talvez assim não tenha de secar as lágrimas que teimam em cair...
Em que rua nos perdemos? O que ficou de quem chegou devagarinho, de quem me deixou gostar devagarinho?
Um dia acreditei quando me disseste baixinho "gosto de ti".
"O amor é fodido. Hei-de acreditar sempre nisto. Onde quer que haja amor, ele acabará, mais tarde ou mais cedo, por ser fodido. (...) Por que é que fodemos o amor? Porque não resistimos. É do mal que nos faz. Parece estar mesmo a pedir. De resto, ninguém suporta viver num amor que não esteja pelo menos parcialmente fodido. Tem de haver escombros. Tem de haver progresso para pior e desejo de regresso a um tempo mais feliz. Um amor só um bocado fodido pode ser a coisa mais bonita deste mundo."
Faz-me falta saber que me queres. Mais que isso: faz-me falta olhar-te no fundo dos olhos e deixar que os meus lá mergulhem para te dizer que te quero. Faz-me falta, sabes? Faz-me falta viver realizando as vontades que carrego em mim para onde quer que vá. Faz-me falta o carinho e entregar-me aos pensamentos que trago. Faz-me falta a ternura e a loucura da paixão. Faz-me falta...tu. Tu fazes-me falta. Simplesmente. Sinto-te a falta sem nunca te ter tido presente. É possível? Como se tudo o que sinto fosse ausência de ti, uma ausência que antes de o ser era nada. E sinto-te a falta mesmo assim.
Fazes-me falta, sim. Mas eu e tu... não somos as personagens do mesmo filme. Eu quero uma paixão contigo. Um amor contigo... sonhos que deposito em folhas brancas de papel, como se os sonhos fossem as nossas almas e as folhas de papel, os nossos corpos. Mas nem todos os sonhos se podem realizar...
Passa de vez em quando uma rapariga numa vida, uma rapariga alta e morena, com cabelo até à cintura, que olha para trás e para nós como se nos pedisse para dizer "eu vou matar-me". E essa rapariga só precisa de um segundo, de um pequeno segredo, que nos esconde na alma, sem se importar com isso. E fica-nos para o resto da vida, presente em todos os instantes da vida, atravessada nas nossas poucas alegrias. Arruina-nos os amores, passando pelos quartos onde estamos deitados com raparigas muito piores e olhando por cima dos ombros como se tivesse pena de nós. Às vezes passa uma rapariga na vida que nunca mais deixa de passar, que nos interrompe e condena e encanta, sem saber o mal e o bem que nos faz e que nos fica na alma como aquelas pessoas que passam no momento em que se tira uma fotografia e passam a ser a pessoa que se fotografou.
Miguel Esteves Cardoso
Saudades dos tempos de criança em que não me preocupava com estas coisas do coração.
Diria que este dia foi longo. Os segundos não galgaram os minutos, nem os minutos galgaram as horas. Foi um dia estranho. Intenso. Diferente daqueles que me tenho habituado a viver. Se por um lado me assustei com isso, por outro alegrei-me. O que eu quero não é propriamente o que tu queres e, para quereres o que eu quero, precisas disto.
Confesso que às vezes me assustas. Consegues despertar em mim o melhor e o pior. Consegues fazer-me estremecer a alma quando dizes "gosto de ti". Como de seguida me consegues quebrar as certezas com os teus medos...
Sabes? Também eu tenho medo... A felicidade por vezes assusta-nos. E o medo é o maior obstáculo à nossa felicidade. Ainda hoje dizia isso a uma pessoa.
Não quero que te assustes, não quero assustar-te...